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Descriminalização Da Maconha: STF está a 1 voto de decidir sobre porte para consumo; Entenda por que usuários devem ter direitos respeitados

Nesta quarta-feira, (06), Supremo somou 5 votos favoráveis e 3 contrários à descriminalização para porte

Descriminalização Da Maconha: STF está a 1 voto de decidir sobre porte para consumo; Entenda por que usuários devem ter direitos respeitados
Flor de maconha. Arte: @drezzapegos / Foto: @latexvencido

O Supremo Tribunal Federal, (STF), retomou nesta quarta-feira (06), a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, com ênfase para a maconha. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo iniciado em 2015, alega que a proibição do porte de drogas para consumo próprio prevê punição desproporcional e compromete medidas de prevenção e redução de danos ligados ao consumo. 


O processo, tratado no Recurso Extraordinário (RE) 635.659, com repercussão geral (Tema 506), definirá os rumos de uma possível futura legalização da maconha no Brasil e já foi parado três vezes desde o seu início. Ontem, após o pedido de vista de Dias Toffoli, o processo soma mais uma suspensão pelo prazo de 90 dias. O pedido de vista significa que os ministros votantes podem solicitar mais dias para examinar o processo antes de tomarem uma decisão. 


Na plenária de hoje, os ministros André Mendonça - que também havia pedido vista na plenária anterior - e Kássio Nunes, se juntaram a Cristiano Zanin, indicado ao STF por Lula, votando contra a descriminalização da maconha. Enquanto isso, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram a favor da descriminalização, totalizando 5 votos favoráveis e 3 contrários. 




Ainda não há data estipulada para retomada do julgamento, que agora além de Dias Toffoli, aguarda os votos de Carmen Lúcia e Luiz Fux, lembrando que com o atual resultado, a pauta precisa de apenas mais um voto favorável para formar maioria. 


Prós da descriminalização: Por que remodelar a lei Antidrogas?


Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Brasil é o 3º país no mundo que mais encarcera pessoas, com cerca de 900 mil presos. E desses, 1 em cada 3 foi detido por delitos relacionados à lei Antidrogas.


A lei nº 11.343 de 2006, também conhecida como lei Antidrogas, permite que qualquer pessoa que tenha porte de maconha seja preso, apesar de não determinar prisão para quem fuma a erva. Dessa forma, a lei contribui para a superlotação do sistema carcerário e estigmatização de quem faz o uso recreativo e medicinal da maconha.


A lei não faz distinção entre usuário e traficante e por isso, o julgamento será decisivo para a pauta e usuários. Quando forem definidas a quantidade de droga que será considerada de porte para consumo pessoal e a que será considerada como tráfico, algumas coisas podem mudar. 


O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, exemplificou: “sem distinção entre usuário e traficante, a decisão sobre quem é quem passa a levar em conta outras circunstâncias - como cor da pele, classe econômica…” - E a população usuária pobre, preta e periférica acaba sendo a mais afetada. 


"O que está em jogo aqui é evitar a aplicação desigual da lei em razão da cor e das condições sociais e econômicas do usuário. E isso é tarefa do Poder Judiciário", pontuou o presidente do STF.



Proibição x Redução de Danos 


A psicóloga, redutora de danos e presidente do COMAD (Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e outras Drogas ) em Bauru, Bruna Pessenda, argumenta que a  lei antidrogas e as falas dos ministros que votaram contrários à descriminalização da maconha alegando prejuízos à sociedade e impactos negativos na saúde pública têm bases em uma ideologia proibicionista e violadora de direitos como a liberdade individual


“O proibicionismo não leva em consideração o direito de escolha da pessoa de querer fazer uso da droga ou não, mas a coloca numa eterna guerra contra si mesma e obviamente, contra a sociedade, correndo risco de ser  punido, já que o código penal prevê algumas punições para quem faz uso de drogas ilícitas. E já dá pra ver até onde essa guerra às drogas alcança, né? Enquanto mantivermos essa mentalidade proibicionista e manicomial, medicalizante e patologizante, não conseguiremos mudar dados de suicídio entre jovens, estatísticas de encarceramento em massa e assim por diante”, afirma Bruna. 


A profissional ainda destaca a redução de danos enquanto política social para reforçar a importância da descriminalização da pauta e defende que quando se fala de saúde pública é necessário  pensar no acesso igualitário da população à qualidade de vida. “Saúde não é apenas ausência de doença, mas sim o bem estar da pessoa, ou seja, acesso à saúde de qualidade, educação de qualidade, vida comunitária, trabalho e renda digna, liberdade, entre outros direitos fundamentais e claro, a igualdade social. É por isso que na década de 80 surge a Redução de Danos, que traz uma perspectiva oposta à proibicionista, visando a garantia de direitos humanos, acesso, cuidado e acolhimento, assim como vida em comunidade e liberdade. Inclusive a Redução de Danos já se estabeleceu enquanto política pública prevista no SUS, expressa por exemplo na RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). O foco passa a ser o sujeito, sua história, contexto, relações, perspectivas, e não somente a droga e o uso abusivo.”


Descriminalizar ou Legalizar a maconha? Entenda a diferença 


Apesar de representar um avanço no caminho da legalização da erva, a descriminalização ainda não significa que o consumo será legal no Brasil. Legalizar é criar leis que regulamentam uma atividade, o que é uma uma atribuição do Congresso Nacional. Por isso, não cabe ao tribunal tratar da questão.


Há países, como o Uruguai, em que a maconha além de descriminalizada é legalizada, possuindo regulamentação para o cultivo, venda e consumo. Além de favorecer o desmonte da “guerra contra as drogas”,  que mexe com estruturas básicas da sociedade. 


“Acredito que se for aprovada a descriminalização, terá uma forte reação dos setores reacionários e conservadores, justamente porque isso demonstra uma fragilidade em toda essa lógica proibicionista que financia a guerra às drogas e grupos específicos que já estão no poder há tempos, como alguns grupos religiosos por exemplo”, pontuou Bruna. 


Erva para uso recreativo e medicinal: a quem interessa a descriminalização? 


Ainda longe da  decisão jurídica oficial sobre o tema - pelo menos 90 dias -, é importante considerar que a maconha traz muitos benefícios para grande parte de seus usuários e que a descriminalização como primeiro passo da legalização pode ser no futuro, positiva inclusive para a economia e saúde pública nacional. 



Tetê Oliveira, militante, suplente à Deputada federal pelo PSOL e co-fundadora da FMC Comunica, também era portadora de lúpus e faleceu em decorrência da doença em janeiro deste ano. Em diversos relatos, ela deixou claro que a maconha era uma das mais potentes formas de alívio das dores que sentia no corpo devido à doença. “Já passei por diversos tratamentos, diversas terapias, cheguei até a tomar coquetel com 38 comprimidos por dia e por isso prejudiquei meus rins e comecei a fazer hemodiálise, mas acabei descobrindo através da maconha uma melhora nas minhas dores. E ainda assim era muito difícil, os médicos aqui na região mesmo vendo a minha melhora não me receitavam o óleo (canabidiol), não falavam sobre isso”, contou em uma de suas lives no Instagram. 

 

Na mesma live, Tetê lembrou que conseguiu o primeiro óleo de maneira artesanal, feito por amigos e na primeira vez que consumiu o CBD, um de seus rins voltou, fazendo com que por um período ela conseguisse sair da hemodiálise. “Antes de tomar o CBD eu estava tomando morfina, e até conseguir o óleo eu fumava, já sentindo melhoras. Foi depois de ter contato com associações como a Maria Flor e Abrace, que fazem o caminho inverso do que contam para gente, falando dos benefícios da cannabis e seus diversos usos, inclusive em alimentos, vestuário, que eu consegui ir em uma consulta médica em Botucatu e finalmente saí de lá com a o CBD e o THC”. 


É justo dizer que a erva deve ser usada com responsabilidade, mas também vale pontuar que a mesma pode trazer inúmeros benefícios medicinais e recreativos como:


Benefícios Medicinais:

  • Alívio da dor: A maconha tem propriedades analgésicas que podem ser úteis no tratamento de  dores crônicas, como a dor neuropática.

  • Controle de náuseas e vômitos: É conhecido por ajudar pacientes que sofrem de náuseas e vômitos, especialmente aqueles em tratamento de quimioterapia.

  • Estímulo ao apetite: A maconha pode aumentar o apetite, sendo útil para pacientes com HIV/AIDS ou câncer que sofrem de perda de apetite e caquexia.

  • Redução da inflamação: Existem evidências de que certos componentes da maconha têm propriedades anti-inflamatórias, o que pode ser benéfico no tratamento de condições inflamatórias, como artrite reumatoide.

  • Controle de convulsões: O CBD, um dos principais componentes não psicoativos da maconha, mostrou-se eficaz no controle de convulsões em algumas formas de epilepsia, como a síndrome de Dravet.

  • Tratamento de distúrbios mentais: Alguns estudos sugerem que certos componentes da maconha podem ser úteis no tratamento de distúrbios mentais, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Benefícios Recreativos:

  • Relaxamento e redução do estresse: Muitas pessoas usam a maconha recreativamente para relaxar e aliviar o estresse do dia a dia.

  • Melhoria do humor: Alguns usuários relatam que a maconha pode melhorar o humor e promover sentimentos de euforia e felicidade.

  • Estimulação da criatividade: Algumas pessoas afirmam que a maconha pode aumentar a criatividade e a introspecção, o que pode ser útil para atividades artísticas ou de brainstorming.

  • Experiências sensoriais intensificadas: A maconha pode alterar a percepção sensorial, levando a uma apreciação aumentada da música, arte e comida.

  • Socialização: Para muitos, o uso recreativo da maconha é uma atividade social, que pode promover a conexão e a interação entre os usuários.


Por mais conscientização e menos proibição: ampliando o debate 


As plenárias do julgamento do STF sobre a descriminalização da maconha vêm nos mostrando algo que muitos dos pesquisadores, ativistas e usuários da erva já sabem: falta muita informação e conhecimento sobre  a maconha, até nas esferas institucionais mais “intelectualizadas”. Falas de ministros como a de André Mendonça, dizendo que 10 gramas de maconha fazem 34 cigarros, com base em uma ideologia proibicionista e ultrapassada, só escancaram a desinformação e o baixo nível do debate.


Já é comprovado que as propriedades terapêuticas da cannabis derivam de seus mais de 100 fitocanabinóides, ou canabinóides vegetais – potentes compostos antioxidantes naturais, segundo a associação canábica Maria Flor, podendo ser consumida de inúmeras formas além do cigarro, em chás, óleos e até na alimentação. 


Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), “a cannabis é o remédio do século XXI e significa praticamente uma farmacopeia inteira”, e o uso da planta para fins medicinais já é uma realidade em países como Canadá, Israel e Alemanha. 


Em Bauru, a Marcha da Maconha de 2023 trouxe esse debate de maneira ampliada, com diversos usuários e suas famílias, bem como profissionais da saúde trazendo relatos e dados sobre a qualidade de vida e o acolhimento trazido pelo uso da maconha, que com o THC  e o CBD trata epilepsia, controle motor, inflamações decorrentes de AVCs, alívio de dores, problemas renais e mais diversas patologias.


Atos como a marcha ajudam a conscientizar a população sobre o uso recreativo e medicinal da maconha representam uma luz na falácia da guerra às drogas e nos preconceitos e estigmatização dos usuários. Na cidade de Bauru, a próxima marcha da maconha está prevista para o dia 18 de agosto de 2024. No perfil @marchadamaconhabauru no instagram é possível encontrar mais informações e somar na causa antiproibicionista, pela descriminalização e informação acerca do tema.

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