Covardia sem respostas: Quais são os nomes dos policiais responsáveis pelas execuções de dois jovens inocentes no Jd. Vitória em Bauru?
Sem antecedentes criminais, Luís e Guilherme, de 21 e 18 anos, foram executados em ação violenta da BAEP em comunidade de Bauru, na última quinta-feira (17); família pede justiça
por Andrezza Marques
Corpos periféricos alvos: Um triste 17 de outubro
Na última quinta-feira, 17 de outubro, por volta das 21 horas, na comunidade do Pq. Vitória em Bauru, a lamentável história se repetia: dois jovens inocentes executados a sangue frio pelas mãos de policiais do BAEP (Batalhão de Ações Especiais da Polícia).
Guilherme Alves Marques de Oliveira, de 18 anos, e Luís Silvestre da Silva Neto, de 21, foram alvejados por cerca de 27 disparos de fuzil, ação violenta de 3 agentes ainda não identificados do 13º Batalhão - só um deles disparou 15 vezes, conforme relatado no B.O. De acordo com familiares e testemunhas, Luís e Guilherme, não tinham armas e também não possuíam antecedentes criminais, e mesmo já rendidos e com mãos na cabeça, foram mortos com tiros no tórax, joelho, abdômen e cabeça.
Segundo o Boletim de Ocorrência, em que consta apenas a versão dos policiais, haveria uma ação suspeita no local, e os jovens teriam sido encontrados com entorpecentes e armas, apreendidos na hora pela equipe. Mas a versão dos amigos e familiares é bem diferente.
De acordo com moradores do local, a polícia desceu a rua do ocorrido já atirando, ao que um dos jovens se assustou e correu, sendo rendido e executado pouco depois. Então, ao se depararem com o segundo jovem no local, seguiram a sua lógica de extermínio.
“Eles não tinham armas, a Polícia Civil já deu um laudo, não existiam armas, o Gui mesmo não tinha nem um chinelo para por no pé”, disse a Nilza Alves, tia da vítima, que mais tarde também seria agredida por agentes do BAEP, no velório de seu sobrinho.
Ainda de acordo com moradores da região, o SAMU foi impedido de prestar socorro e sequer ter acesso ao corpo das vítimas, imposições da própria BAEP. “A ambulância chegou enquanto o Luís ainda estava vivo, mas a polícia não deixou levar”, disse uma testemunha que preferiu não se identificar. A vítima, que tinha 21 anos, foi enforcada pelo pescoço e arrastada para o local da execução, onde levou um tiro na cabeça.
Em reportagem neste domingo, (20) ainda foi possível visualizar a cena do crime, com pertences como o boné rasgado pela bala e restos mortais como pedaços do crânio da vítima que tomou um tiro na cabeça, além de marcas de sangue. Segundo a vizinhança, até esta data, a perícia não tinha ido ao local.
Pertences de uma das vítimas e poça de sangue
Impedimento do Luto: Invasão e agressões no velório
Na sexta-feira, (18), durante o velório de Guilherme, Policiais Militares invadiram o mesmo, não satisfeitos com a violência do dia anterior, impedindo os familiares e amigos de vivenciarem o luto pelo jovem com dignidade.
De acordo com os presentes na cerimônia que ocorria no Pq. Jaraguá, os policiais passaram de viatura pela área externa do velório com gestos que intimidavam e debochavam dos familiares, antes de invadirem o local. “Passaram na rua, pararam e deram risada, claro que o irmão do Guilherme vai falar, é revolta, né? Eles ainda gritaram que o sistema havia vencido. É onde qualquer um de nós se revoltaria”, disse a mãe de Luís, Maria Aparecida Soares.
“Nós só perguntamos o que eles estavam fazendo lá, e por que eles tinham matado um inocente. Depois, chamamos eles de covardes, porque não tem outro nome pra isso”, disse Nilza, tia de Guilherme.
Depois, os policiais adentram o local onde o corpo estava sendo velado, agridem e arrastam o irmão da vítima, alegando desacato, em meio ao tumulto, amigos e familiares protestam, mas os policiais violam a todos os que tentam impedir. “Olha aqui os roxos no meu pescoço, na minha perna”, mostrou Nilza à reportagem. Ela, além do outro sobrinho e da irmã, mãe da vítima, também foi agredida pelos policiais no enterro.
Quando perceberam que estavam sendo filmados, os policiais foram ainda mais violentos e terrorismo não parou por aí, no sábado (19), houve um ato em protesto à violência organizado pelos parentes e amigos, na Av. Castello Branco, que também contou com forte repressão da polícia. Agentes jogaram granadas e bombas de gás, um dos explosivos feriu gravemente a mão de um adolescente de 13 anos que estava no protesto e acabou levando o artefato para a casa, para mostrar para a família. A granada acabou explodindo em sua mão, e fez com que o adolescente perdesse um dos dedos.
Histórico: Violência Policial nas quebradas de Bauru
O BAEP teve o início de suas operações em Bauru em setembro de 2020. A ação faz parte de uma ampliação em mais 17 locais do estado de SP. Com o intuito de “combater o crime de maneira mais ostensiva na região”, a ação do batalhão acaba resultando em um extermínio da juventude negra e de periferia.
Só no ano passado (2023), segundo matéria do Contra Ponto digital, em Bauru a polícia assassinou 8 jovens, dado que se iguala ao número de jovens mortos em acidentes de trânsito. E em 2024 a situação continua. Uma operação em maio deste ano no Jardim Ouro Verde, resultou na morte de uma pessoa que, de acordo com o BAEP estava armado e recusando rendição.
No mesmo mês, dois suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas, segundo versão da polícia, foram mortos no Ferradura Mirim. Segundo os agentes, um confronto teria começado quando a PM recebeu uma denúncia de disparo de arma de fogo e tentativa de homicídio no bairro. A versão oficial diverge de relatos da vizinhança, em que testemunhas disseram que não houve troca de tiros.
Já em julho de 2024 há registro de mais um caso em que um homem de 33 anos foi morto a tiros de fuzil por tenente da BAEP durante abordagem em Bauru na rua Bernardino de Campos, mais uma vez, de acordo com a polícia, o homem teria se recusado a sair do carro que dirigia e apontou uma arma para a equipe policial, sendo então executado com 8 tiros.
Ainda há inúmeros outros casos de violência policial, sobretudo crimes sofridos por jovens negros e de periferia, que em abordagens irregulares acabam sendo agredidos, ameaçados, humilhados e mortos em últimos casos - o que tem ligação direta com a política do extermínio dos governos de extrema direita, atualmente encabeçada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), no estado de São Paulo.
De acordo com a fundação Zumbi Somos Nós, o ano de 2024 apresentou um aumento de 83% no número de negros mortos pela PM em relação a 2023 no estado. A principal mudança no cenário é que a PM de Tarcísio não tem mais o uso obrigatório de câmera nos uniformes.
Uma questão de saúde e não de segurança pública
Guilherme Alves Marques de Oliveira e Luís Silvestre da Silva Neto não eram traficantes, não tinham envolvimento com o crime organizado e também não possuíam armas. Ambos faziam uso de drogas, mas nunca haviam cometido nenhum crime para sustentar o seu vício, segundo os familiares e amigos.
“Ele era um usuário. Faz quatro meses que o Conselho Tutelar recolheu a criança dele, que ia fazer um ano, por ele estar usando muita droga. Fazia três semanas que ele não ia visitar o filho dele porque ficava atrás de droga. Nem banho direito ele estava tomando. Precisava de ajuda. Só isso. Ele só precisava de ajuda”, disse Maria Soares, mãe de Luís.
Para o estado assassino, a existência e vida de dois jovens periféricos usuários de entorpecentes sem nenhum antecedente criminal era uma questão de segurança pública, mas a pauta na verdade, deveria ser tratada como uma questão de saúde pública. De acordo com um relatório do Ministério Público do estado de São Paulo, a ação da “guerra contra as drogas” promovida pelo governo de São Paulo em 2012, na qual cerca de 288 policiais militares percorriam as ruas da capital paulista diariamente na tentativa de dispersar os usuários e impedir o uso de substâncias ilícitas, partindo da premissa de que através da repressão, seria possível reduzir a quantidade de usuários na cidade, foi na prática um fracasso.
Ainda segundo o relatório, essa ação resultou na apreensão de apenas 9% da quantidade de cocaína apreendida no mesmo período do ano anterior e 8,5% da quantidade de maconha. Um dos psicólogos do Instituto Crescer, Lucas de Paula, explicou no artigo “Prevenção ao Abuso de Drogas: o que os pais podem fazer?” que iniciativas como esta, baseadas na repressão e no uso da força, tem como único efeito dificultar o acesso aos usuários de droga e, por consequência, dificultam também a adoção de qualquer medida efetiva de enfrentamento do problema.
A mãe de Luís e uma tia de Guilherme disseram que Luís já tinha aceitado um tratamento intensivo no CAPS, se mostrando disposto a lutar contra o vício. “Ele aceitou ser internado. Ele estava só esperando sair vaga. Tiraram a oportunidade dele”, afirmaram.
Imagens do ato do dia 20 de outubro
Desdobramento do caso: Investigação dos policiais e busca por respostas
Luís e Guilherme não deixaram apenas seus familiares órfãos, mas toda uma comunidade. Ambos eram filhos do Jd. Vitória, tendo crescido lá. Eles eram amigos desde criança e agora, o bairro inteiro quer explicações, e principalmente justiça.
Até agora, apenas um dos policiais envolvidos nas agressões durante o velório de Guilherme foi afastado da corporação e ainda não se sabe o nome dos policiais responsáveis pelas execuções com extremos de crueldade.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou em nota que o caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial, tráfico de drogas, associação para o tráfico, localização/apreensão de objeto e tentativa de homicídio pela Delegacia Seccional de Bauru e será investigado pela Polícia Civil.
“Que procedimento policial é esse que aborda já atirando? Aí eles tem essa versão dos policiais que trocou tiro, que pegou mochila com droga, com rádio, não sei o quê, mas cadê essa droga? Por que não apresentaram no jornal, na TV, as imagens da mochila com droga, com arma?” questionou Maria Soares.
Há relatos de que uma testemunha não identificada viu toda a ação policial, afirmando que Luís não estava armado. “Ele estava implorando pela vida e disse que não era bandido”, declarou.
No último ato do domingo, (20), Nilcéia Alves, disse que estará se mudando em breve do bairro, mas que a sua luta por justiça continuará. “Não estamos seguros, quem era pra nos defender está nos matando. Eu vou embora desse lugar, mas vou continuar lutando, e eu tenho certeza de que quem está aqui também não vai esquecer desse momento”.
O Conselho Municipal dos Direitos Humanos vem mobilizando levantamento de testemunhas e imagens de câmera de segurança para ajudar na criminalização dos culpados, além de também prestar assistência às mães e aos familiares. Segundo a presidente do Conselho, Taylise Zagatto, foi articulado para esta quarta feira (23), um encontro do ouvidor da Polícia Civil e o comandante com as mães e todas as testemunhas do caso.
Também haverá nesta quarta-feira, às 17h, um ato organizado pelo Psol pelo fim da violência policial na cidade de Bauru, em que retoma-se a pergunta: Quem são os policiais assassinos que executaram os inocentes Guilherme e Luis e até quando essa situação se repetirá nas periferias?
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